quarta-feira, 4 de junho de 2008

AMADORA – PROJECTO PIONEIRO EM INTEGRAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL


Muitos nunca tinham visto um violino ou um contrabaixo, mas tinham o sonho de aprender música.
Hoje, trinta miúdos da Amadora já sabem as notas e tocam em uníssono na Orquestra Geração, projecto de inclusão social que pretende despertar em Portugal o espírito da orquestra venezuelana Simón Bolívar.
A orquestra é dirigida pelo maestro Juan Carlos Majorani, um jovem venezuelano que integrou o Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela, o mítico projecto venezuelano fundado em 1975 - com a criação da Sinfónica Simón Bolívar - dedicado à recuperação "de grupos vulneráveis".
"Eu sou fruto da orquestra da Venezuela. Participei na orquestra infantil de Caracas, na orquestra Simon Bolívar e depois vim para Portugal, onde tirei a licenciatura e toquei na Orquestra Metropolitana de Lisboa", contou o jovem maestro à Lusa enquanto preparava um ensaio na Escola Básica Miguel Torga, na Amadora. Juan Carlos Majorani fala com orgulho do projecto - apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, pela Câmara da Amadora, pela Fundação EDP e pela Escola de Música do Conservatório Nacional - e dos alunos que ensaia quatro vezes por semana, desde Novembro.

A cada dia que passa, diz, estão mais afinados nos instrumentos e na vida. "É um projecto gratuito para os mais necessitados", começou por explicar o maestro, adiantando que o objectivo é criar "uma prática colectiva de orquestra e levá-la à comunidade e aos bairros sociais". Por outro lado, salientou, é dar a oportunidade aos miúdos de conhecerem um instrumento musical, participar numa orquestra - por definição uma tarefa que exige disciplina - e proporcionar-lhe "uma relação muito próxima com a música", que lhes era desconhecida.
"Nem conheciam os instrumentos musicais", frisou o maestro, que se orgulha de ter começado com 10 alunos e de hoje já serem mais de 30 na Amadora. "Agora é de uma minoria para uma minoria, mas nós queremos que seja de uma minoria para uma maioria", sublinhou Juan Carlos, que quer estender o projecto a todo o país. Alheios à essência do projecto, os jovens querem mesmo é aprender música e fazer dela o seu futuro, conforme disseram à Lusa.

Neuza, com 15 anos, é a mais "velha" da orquestra. Escolheu o contrabaixo e está orgulhosa do que conseguiu aprender em apenas três meses. "Desde pequena sempre quis tocar ou cantar, tive esta oportunidade e agarrei-a", disse a jovem à Lusa, contando que a aprendizagem foi "muito fácil". Olhando para os colegas, a jovem comenta que "estão a lutar pelo seu futuro", tal como ela. "É bom vê-los empenhados a tocar.

Vê-se a diferença de dia para dia", comentou Neuza, que já tinha tido aulas de canto e flauta. O gosto pela música é visto com desconfiança pelos amigos do seu bairro, que consideram "uma grande seca" estar a aprender a tocar e a ter formação musical. Neuza não pensa assim. Pelo contrário, diz que "é muito fixe" e até já conseguiu levar dois amigos para a orquestra para tocarem contrabaixo e assim evitar que passem muito tempo na rua ou a ver televisão. O gosto pela música fez com que a jovem esquecesse um bocadinho a escola. As notas baixaram, mas depois de uma conversa com a professora de música Sandra Martins os testes já começaram a melhorar. "A Neuza apaixonou-se pelo contrabaixo e é um caso fantástico de aprendizagem.

Prevejo um futuro musical na sua vida", disse à Lusa a professora, que está "fascinada" com este projecto de inclusão social. "Digo a todos os meus colegas de trabalho que foi o melhor que me podiam ter dado a nível de ensino. É um projecto fascinante", sustentou a professora de viola. Sandra Martins diz que no início da formação da orquestra "foi muito complicado". "As crianças não faziam ideia do que era a música. Quando lhes demos os instrumentos, perguntaram o que vamos fazer", mas depois foi "incrível a forma como aceitaram o projecto e, em meio ano, fez-se um milagre", acrescentou. As crianças souberam do projecto pelos professores da escola Miguel Torga e os que quiseram participaram fizeram um pequeno teste para avaliar a sua capacidade auditiva e escolher o instrumento que iriam tocar. "Estava indecisa entre a viola de arco e o violoncelo, mas acabei por escolher o violoncelo porque é muito bonito e estava nos sons intermédios, nem muito agudos, nem muito graves", disse Ana, 12 anos, enquanto acomodava o instrumento musical no seu corpo franzino. Rafaela, 15 anos, preferiu o contrabaixo, apesar do início o ter achado "um bocado estranho, porque era muito grande". "Gostei de aprender, apesar de ter sido um bocado difícil", adiantou Rafaela, que já fez "novos amigos" na orquestra. Rute, 13 anos, sempre quis tocar violino. Apesar de os amigos considerarem estranho o seu gosto por música clássica, a jovem já consegue ir dominando um dos instrumentos mais exigentes do mundo.

A grande estreia da orquestra vai ser no Teatro São Luiz, em Lisboa, no dia 18 de Junho, e os pequenos músicos já sentem um friozinho na barriga, mas estão crentes de que tudo vai correr bem. "Estou nervosa para a estreia, mas tenho treinado muito para fazer boa figura", disse Rute cheia de convicção.
A orquestra está dividida em dois pólos: na Amadora e em Vialonga e, ao todo, já são mais de 100 alunos.
(Lusa)

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